Não basta saber,
é preciso também aplicar,
não basta querer,
é preciso também agir.

Goethe

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Para que devemos escrever?

Dantas de Sousa

vNas minhas aulas de Português, procuro estimular nos alunos a prática de produção de textos. E destaco, logo de início, o texto narrativo. Primeiro porque esse texto se caracteriza tanto pela facilidade de ser produzido quanto por se encontrar mais perto da realidade dos alunos. Isso quer dizer que narrar de modo oral um fato, um acontecimento, ou contar uma história, é de fato uma prática textual emocionante, provocadora ou simplesmente de entretenimento.
No entanto, quando procuro motivar os alunos para a prática da produção de texto narrativo por escrito, observo, na grande maioria deles, um desânimo, um tormento. Torna-se necessário, para reverter essa situação, antes trabalhar na conscientização de que escrever é um ato agradável e libertador, e não uma questão de dom, ou privilégio concedido a alguns. É não só um ato de criação como também um desejo de se expor ao mundo, de se afirmar como pessoa na sociedade, de se imortalizar através das próprias palavras.
Por outro lado, apresento aos alunos que se começa a escrever porque se sente o desejo de escrever para o outro. De redizer ao próximo, com suas próprias palavras, aquilo que havia presenciado, ouvido ou lido. De repassar para ele o conhecimento adquirido. De poder ensiná-lo, convencê-lo ou adverti-lo. De estabelecer microrrelações ou, até mesmo, macrorrelações. E assim sendo, não só se difunde a caridade (amor recebido e dado) como ainda se tecem redes de caridade. Em outras palavras, escrever para o outro é uma expressão da dinâmica da caridade, uma vez que se reflete nesse ato a dimensão pessoal da palavra, da verdade.


Mas falar e escrever são operações distintas

Há, na verdade, diferenças no ato de falar e escrever. Na fala, por exemplo, aparecem os recursos expressivos, como gesticulação, entonação, sons imitativos, cacoetes. Quando se conversa muda de assunto rápido, emprega constantemente frases curtas ou frases entrecortadas. Ao contar uma história de modo oral, usa-se geralmente de arrodeios, de exageros, de prolixidade e até mesmo de falta de unidade textual.
Já na escrita, exige-se, principalmente para aquele leitor exigente e que se encontra ao longe, a elegância textual. Por isso, necessita-se de um trabalho elaborado, no qual se evidencia criatividade, construção, coerência, coesão, concisão e correção. Requer-se, para isso, um trabalho constante de aprendizagem, fundamentado na metodologia da releitura / reescritura do texto. Além do que, quanto mais se dá importância à atividade de escrever, mais se determinará o grau de domínio da língua padrão.


Texto narrativo para reflexão:

Título original: Um assalto no ponto de ônibus

Título após releitura(s): A mais nova e feliz vítima

Certa vez, numa bela manhã de quarta-feira, eu estava andando pelas ruas de Juazeiro do Norte, cheia de muita gente apressada que corria de um lado para o outro sem saber pra onde ir. Aí eu decidi atravessar de uma vez por toda a rua para ir pro ponto de ônibus.


Manhã de quarta-feira. Caminhava pela rua Santa Luzia, no centro de Juazeiro do Norte, repleta de pessoas apressadas. Após o Mercado Central, atravessei a rua, seguindo na direção do ponto de ônibus, no meio do quarteirão.


Enquanto eu estava aguardando só o ônibus que ia passar, eu percebi que alguém desconhecido me tocou no ombro. Virando para ver quem tinha sido, dei de cara com um rapaz alto, muito magro e bastante mal vestido e com um canivete na mão. Não entendi aquele seu gesto desumano que fazia e perguntei o que ele estava desejando comigo. Mas ele calado, sem responder uma palavra sequer aproximou com seu canivete no meu pescoço e puxou com tanta força e com muita raiva a minha bolsa de couro novinha que estava bem debaixo do meu braço.


Enquanto sozinha aguardava o ônibus, senti alguém me tocar no ombro esquerdo. Ao me virar, dei de cara com o rapaz alto, magro, mal-vestido e de canivete à mão. Não entendendo seu gesto, perguntei-lhe o que desejava de mim. Mas ele, sem me dizer uma só palavra, encostou a ponta do canivete no meu pescoço e arrancou do meu ombro direito a minha nova bolsa de couro.


Tremendo muito, vi o rapaz mexendo na minha bolsa, procurando dinheiro ou algo valiosos, pois seu olhar demonstrou grande ambição. Encontrou a nota de vinte reais que tinha restado do meu pequeno salário. Com bastante lágrima nos olhos vi ainda o ladrão levar meu único dinheirinho que era para comprar um remédio de meu pai doente em casa. E se sumiu num beco.

Mesmo tremendo, deixei-o remexer a bolsa. O rapaz tinha um olhar de ambição. Logo depois, encontrou ele a cédula de vinte reais, que restara do meu salário. Bem rápido, amassou-a e, em seguida, guardou-a no bolso da calça. E eu, chorando, avistei-o se afastando, carregando o dinheiro do remédio de meu pai, até desaparecer na esquina da rua São Jorge.


Sem forças para caminhar permaneci parada ainda alguns instantes procurando coragem para continuar o percurso porque não tinha o dinheiro da passagem do ônibus. Mas dei um passo à frente e atravessei a rua, mas agora voltando para casa, com mãos vazias e o pensamento muito distante, me sentindo a mais nova e feliz vítima da violência de Juazeiro.

Sem noção de como agir, permaneci no local por cinco minutos. Também não quis incomodar ninguém, já que me encontrava sem o dinheiro da passagem. Naquele instante, engoli coragem e dei um passo à frente. Ao regressar para casa de mãos vazias, a pé, me sentia a mais nova e feliz vítima da violência urbana juazeirense.

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